Goéland em pleno vôo em Fécamp
Normandie, França
"Meu bom humor é de graça. Aceite. A cartilha do riso me ensina a enganar
os olhos, se vejo a tristeza distraída pelos cantos, corto a volta.
Aguente meu alto índice de alegria, minha poção mágica pro desespero.
Aperte nas mãos meus caprichos e construa pequenos detalhes. Moro no
acaso, o simples é minha corrente de esperança. Não aceito papel de má. E
boazinha é um apelido quase feio. Fico no meio termo. A virtude não me
atrapalha e o improvável sempre me aceita.
Às vezes escorrego, mesmo equilibrada na minha estante de conceitos.
Aprenda a me ler. Apenas leia. Gosto de me esconder nas entrelinhas, de
escapar nas vírgulas, de me perder nos pontos. Eu me faço, refaço, pinto
e bordo do jeito estranho e poeta que sei ser. Carrego comigo o mundo,
as músicas, as lembranças de que, teimosa, não sei me desfazer e sorrio
com chuva nos olhos, porque sempre tem algo pra se esconder. Maquiagem
de graça essa, discreta como só o beija-flor sabe ser. Vou plantando o
riso nas esquinas, colhendo o amor estilhaçado e reconstruindo vidas,
principalmente a minha.
Tem sempre algo que falta, tem sempre uma saudade infinita, tem sempre
um amor antigo, um amor morrido e um amor novinho pra ser inventado. E
se é assim, invento. E reinvento todos dias, botando mais açúcar quando
dá vontade ou colorindo da cor que bem desejar. Mas tem que ser doce,
aceite. Preciso da doçura caminhando lado a lado, do sabor do mel nos
lábios, porque já estou calejada de amargura e acidez. Principalmente
das palavras, que vem com rostinho inocente, mas te derrubam e te
destroem por dentro. Não, não, não. Tem que ser doce, pra aguentar o
peso de todas as mentiras esfoladas que são continuamente arremessadas
sobre o nosso dia-a-dia.
Então, por favor, aceite. A embalagem que carrego é transparente. Meus
olhos possuem a doçura como lacre. Vejo o que desejo. Fecho os olhos
quando perco o tino. Porque não possuo o poder de não errar. Gosto de
ser humana. Meus defeitos são gritantes e minha boca costuma cuspir
silêncios rodeados de solidão. Não, eu não costumo ser sozinha. Eu ando
rodeada de gente. É que ás vezes minha multidão é vazia. Não ria, eu
crio personagens. É minha forma de lidar com esse teatro que está
montado no peito. Eu sou artista sem platéia. Criança de palavras
tortas. Menina que aprendeu a não julgar. Mulher que não se esconde
quando quer gritar.
E você, me aceita?"
(Texto de Maria Fernanda Probst em parceria com Ju Fuzetto)