Páginas

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

E você, me aceita ?



Goéland em pleno vôo em Fécamp
Normandie, França
  Foto de Carla Catalão



"Meu bom humor é de graça. Aceite. A cartilha do riso me ensina a enganar os olhos, se vejo a tristeza distraída pelos cantos, corto a volta. Aguente meu alto índice de alegria, minha poção mágica pro desespero. Aperte nas mãos meus caprichos e construa pequenos detalhes. Moro no acaso, o simples é minha corrente de esperança. Não aceito papel de má. E boazinha é um apelido quase feio. Fico no meio termo. A virtude não me atrapalha e o improvável sempre me aceita.

Às vezes escorrego, mesmo equilibrada na minha estante de conceitos. Aprenda a me ler. Apenas leia. Gosto de me esconder nas entrelinhas, de escapar nas vírgulas, de me perder nos pontos. Eu me faço, refaço, pinto e bordo do jeito estranho e poeta que sei ser. Carrego comigo o mundo, as músicas, as lembranças de que, teimosa, não sei me desfazer e sorrio com chuva nos olhos, porque sempre tem algo pra se esconder. Maquiagem de graça essa, discreta como só o beija-flor sabe ser. Vou plantando o riso nas esquinas, colhendo o amor estilhaçado e reconstruindo vidas, principalmente a minha.

Tem sempre algo que falta, tem sempre uma saudade infinita, tem sempre um amor antigo, um amor morrido e um amor novinho pra ser inventado. E se é assim, invento. E reinvento todos dias, botando mais açúcar quando dá vontade ou colorindo da cor que bem desejar. Mas tem que ser doce, aceite. Preciso da doçura caminhando lado a lado, do sabor do mel nos lábios, porque já estou calejada de amargura e acidez. Principalmente das palavras, que vem com rostinho inocente, mas te derrubam e te destroem por dentro. Não, não, não. Tem que ser doce, pra aguentar o peso de todas as mentiras esfoladas que são continuamente arremessadas sobre o nosso dia-a-dia.

Então, por favor, aceite. A embalagem que carrego é transparente. Meus olhos possuem a doçura como lacre. Vejo o que desejo. Fecho os olhos quando perco o tino. Porque não possuo o poder de não errar. Gosto de ser humana. Meus defeitos são gritantes e minha boca costuma cuspir silêncios rodeados de solidão. Não, eu não costumo ser sozinha. Eu ando rodeada de gente. É que ás vezes minha multidão é vazia. Não ria, eu crio personagens. É minha forma de lidar com esse teatro que está montado no peito. Eu sou artista sem platéia. Criança de palavras tortas. Menina que aprendeu a não julgar. Mulher que não se esconde quando quer gritar.

E você, me aceita?"


(Texto de Maria Fernanda Probst em parceria com Ju Fuzetto)

Nenhum comentário:

Postar um comentário