Páginas

domingo, 17 de janeiro de 2010

Esse mistério

Flor na Promenade Plantée, Paris, França.
Foto de Carla Catalão



''Estive pensando nesse mistério
que faz com que a vida da gente
se encante tanto por outra vida.
E sinta vontade de escrever poemas.
Garimpar estrelas.
Deixar florir pelo corpo
os sorrisos que nascem no coração.
Nesse mistério que nos faz olhar
a mesma imagem inúmeras vezes,
sem cansaço,
mesmo nos instantes
em que é feita de papel ou de memória.
Que nos faz respirar feliz que nem folha orvalhada.
Querer caber, com frequência,
no mesmo metro quadrado onde a tal vida está.
Cantarolar pela rua aquela canção
que a gente não tinha a mínima ideia de que lembrava.
Estive pensando nesse mistério
que faz com que a vida da gente
encontre essa vida na multidão planetária de bilhões de outras.
E sem saber que ela existia,
perceba ao encontrá-la
que sentia saudade dela antes de conhecê-la.
Estive pensando nesse mistério
que faz com que aquela vida
que acaba de encontrar a nossa
nos deixe com a impressão
de estar no nosso caminho desde sempre,
como se fosse um sol que esteve o tempo todo ali
e a gente somente não o ouvia cantar.
Nesse mistério que nos faz trocar buquês
dos olhares mais cuidadosos.
Que nos faz querer cultivar jardins, lado a lado.
Nesse mistério que faz com que a nossa vida
queira um bem tão grande à outra vida,
que vai ver que isso já é uma prece
e a gente nem desconfia.
Estive pensando nesse mistério lindo
que você é para alguém e alguém é para você
ou que ainda serão um para o outro.
Nessa oportunidade preciosa dos encontros
que nos fazem crescer no amor
também com o tempero bom da ludicidade.
Nesse clima de passeio noturno
em pracinha de cidade pequena.
Nessa paz que convida o coração
pra se recostar e repousar cansaços.
Nesse lume capaz de clarear
um quarteirão inteirinho da alma.
Nesse abraço com braços
que começam dentro da gente.
Nessa vontade de deixar o mundo todo pra depois
só para saborear cada milímetro
do momento embrulhado pra presente.
Estive pensando nesse mistério
que não consigo desvendar.
Nem tento.''

(Ana Jácomo)


Nenhum comentário:

Postar um comentário